Um julgamento antecede o preconceito

Por isso dizemos que preconceito é um conceito pré-concebido. Preconceitos são atitudes que expressam os sentimentos de uma pessoa em relação à outra devido a uma ou mais características, em geral associadas à comportamentos ou à imagem daquela pessoa e o que ela representa para a outra. Podemos afirmar que são pré-julgamentos. Eu, do alto do meu ser, julgo que outra pessoa é (talentosa ou incompetente ou ignorante ou bondosa ou relapsa ou tirana) porque ela apresenta uma determinada característica que eu associo a este comportamento. E faço isso num piscar de olhos!

Ou não… muitas vezes me deixo influenciar pelo meio em que vivo, onde a cultura coloca em determinado lugar pessoas com determinadas características. É quanto eu olho para uma pessoa com deficiência e vejo alguém que precisa de ajuda, que não deveria estar na rua sem alguém que exerça o papel de acompanhante cuidador, que não tem condições de trabalhar; quando olho uma pessoa preta correndo e vejo um assaltante e não um atleta de rua ou alguém atrasado para o trabalho; quando vejo uma mulher muito bem vestida com um terninho elegante e penso que a empresa lhe deu um uniforme bonito para a recepção, mas não a vejo como diretora da empresa. Como eu vejo o mundo a minha frente, afinal?

Costumamos dizer que enxergamos o mundo com as lentes dos nossos vieses e preconceitos. E é preciso que estejamos em alerta a tudo que vemos, para que possamos reposicionar nossa perspectiva oportunamente, quando percebermos que nosso olhar foi enviesado. Mas ainda queremos saber por que, certo?

Porque preconceitos podem nos levar à discriminação, que é um ato, uma ação embasada no julgamento automático que fazemos.

E por que fazemos isso?

  • Porque nossa mente é um instrumento de medição, diriam os autores do livro “Ruído”, Daniel Kahneman entre eles, a ressaltar que, para além dos modos de pensar, há muitas interferências no processo de julgamento. Interferências que eles chamam de ruído e advertem: ruídos podem ser imperceptíveis e muito variados, pois os gatilhos que estimulam as pessoas são diferentes.
  • Porque é “melhor prevenir do que remediar”, diria a sua amígdala, que pode ainda não estar plenamente adaptada à realidade social complexa em que vivemos (leia mais em outro texto do nosso blog sobre o tema).

A origem social do preconceito foi estudada por muitos autores e falamos sobre isso no  módulo sobre o tema publicado na Academia da PlurAllidade.

  • (Robert) Baron e (Donn) Byrne (autores do clássico acadêmico Psicologia Social) falam sobre a teoria da atribuição segundo a qual uma vez exposto o preconceito, pessoas tendem a atribuir resultados negativos ao mesmo, reforçando a discriminação à sombra de uma desculpa socialmente aceita.  Exemplo: uma pessoa negra afirma não ter sido aprovada em uma vaga de trabalho devido à cor da sua pele; a pessoa responsável pela avaliação responde que ela seria menos qualificada que a pessoa aprovada. Observadores preconceituosos tendem a focar na atitude queixosa da pessoa negra como um reforço a sua baixa qualificação.
  • Daniel Kanehman (no livro Rápido e Devagar, duas formas de pensar) com a teoria do WYSIATI (What You See Is All That Is) permite um outro olhar sobre o mesmo exemplo. Observadores que estivessem enxergando apenas o que quisessem ver (preconceito contra uma minoria, numa postura ativista) poderiam, no extremo oposto, tender a concordar com a queixa de discriminação, sem sequer analisar os fatos.
  • (Davyd) Meyers (autor de outro clássico também intitulado Psicologia Social) afirma que a situação social influencia e naturaliza preconceitos de várias maneiras: na educação das crianças, quando pessoas adultas reforçam crenças e culturas como as únicas a serem consideradas como certas; na institucionalização de atitudes preconceituosas em ações governamentais, nas escolas, na propaganda, nos produtos que consumimos. Cabe ressaltar o quanto o preconceito é mantido pela inércia ou inação frutos da conformidade com que toleramos pequenas expressões ou atitudes preconceituosas aceitas pelo grupo social a que pertencemos – somente porque queremos pertencer. Como exemplo, podemos pensar no quanto mudou o mercado publicitário nos últimos anos, da maioria branca de corpos perfeitos (reforçando que o corpo perfeito é de uma pessoa, em geral, de uma mulher, branca) para a busca de representatividade (passando a mostrar pessoas de diferentes tons de pele, pessoas com deficiência, pessoas com diferentes formas de amar).

Tudo isso pode ser reforçado quando encontramos um sistema ruidoso, voltando à teoria do Ruído apresentada por Kahneman, Sibony e Sunstein. Para o estudo que embasa o livro, eles analisaram casos judiciais, traçaram paralelos entre as descrições dos casos e se surpreenderam ao encontrar sentenças muito díspares para casos muito semelhantes. Poderíamos, então, pensar que um colegiado com um grupo de pessoas pensando juntas sobre o fato a ser julgado pode ter resultados melhores. Mas o potencial é inversamente proporcional: o grupo amplifica o ruído, segundo os autores. Porque são diversas pessoas, estimuladas por estímulos diferentes, vendo o caso a partir de diferentes perspectivas.

Ainda assim, não tema! Há um caminho a percorrer em busca de um possível desenviesamento da decisão. Muitas são as ações que podem ser engatilhadas por empresas ou indivíduos para reduzir o efeito dos vieses e alertar sobre preconceitos. Todas passam pela educação. As principais intervenções de higiene ou desenviesamento da decisão estão relacionadas ao processo de desaprender e reaprender conceitos pré-concebidos. Pode ser pelo amor ou pela dor, como eu diria aos meus filhos. Afinal, além da sociedade em constante mudança de comportamento, há uma expressão bem evidente dessa demanda, que são as leis e os códigos de conduta.

Por onde queremos começar?

Vale a pena repensar nossos julgamentos, nossos vieses e preconceitos, então, porque é o certo a fazer e porque é uma expressão de justiça, aquela que queremos para nós e para todas as pessoas.

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