Como mulher, eu posso falar sobre os homens e suas masculinidades. Sobre como isso afeta o meu dia a dia na sociedade e o meu relacionamento com homens, como filha, amiga, irmã, tia, esposa e mãe.
Mas será que eles (os homens) estão falando disso?
Talvez não, porque “homem não chora”?
Relatório da Pesquisa Nacional de Saúde realizada em 2019 aponta que, entre as pessoas que buscaram algum tipo de terapia, 82% eram mulheres e 69%, homens.
Talvez não, porque “isso é coisa de mulherzinha”?
Segundo dados do IPEA, em 2013, dos 23000 jovens presos no Brasil, 95% eram do sexo masculino, 60% destes entre 16 e 18 anos, quando deveriam estar completando o ensino médio. 67% dos casos são relacionados a roubos, furtos ou associação com o tráfico de drogas.
Talvez não, porque acessos e oportunidades não têm a mesma medida.
Um relatório da OCDE de 2019 aponta que, entre pessoas de 25 a 34 anos com ensino superior completo, 18% são homens e 25%, mulheres. Mas o livro Factfulness traz um dado interessante: revela que, no mundo, homens com mais de 30 anos possuem, em média, 10 anos de escolaridade contra 9 anos das mulheres na mesma faixa etária. De volta ao Brasil e ao relatório da OCDE, há um contraste entre o número de mulheres que completa ciclos de educação formal (são a maioria desde o ensino fundamental) e o percentual de contratações de mulheres versus homens nas vagas de trabalho formal, chegando a uma disparidade de ocupação de 75% dos homens e 46% das mulheres sem ensino superior.
Talvez não, porque não fomos educados nem educadas para isso.
Mas não é só de ensino formal que se faz a educação anti-machista. Isso é comportamento e tem a ver com a cultura em que crescemos e que escolhemos seguir.
E o que isso significa?
Que ser homem ou ser mulher tem impacto direto no acesso às oportunidades.
Mas também que podemos escolher diferentes recortes para compor uma teoria.
Se meninos são mais agressivos, podemos buscar um fundamento genético para esse comportamento, muito enraizado em questões culturais, desde os nossos antepassados, relacionadas ao clássico duelo entre ameaça e proteção ao que a força física se mostrou eficaz solução, muitas das vezes. Na atualidade, estas questões não são uma realidade para a grande maioria de pessoas que vive nas grandes cidades, com acesso fácil à satisfação de suas necessidades básicas. Mas esta não é a realidade da maioria. E ainda seguimos reproduzindo a mesma lógica porque acreditamos nos ganhos: a assertividade, tão valorizada pelo mercado de trabalho, pode ser fruto dessa agressividade “natural”. Vou chamar a sua atenção para um fato extremo: se a agressividade é comportamento dominante nos homens e motivo pelo qual estão deixando de ir à escola e se ocupando com crimes que os levam ao encarceramento, por que não são os homicídios que estão no topo da lista – para o grupo entre 16 e 18 anos – e sim os furtos, os roubos ou as drogas? Será que há relação entre estes dados e o fato de que a taxa de conclusão do ensino médio de homens até 19 anos é de apenas 50%? Somem-se a isso os chamados fatores de risco e prevenção que devem moldar as políticas públicas. Estão entre os fatores de maior risco (segundo estudos que correlacionam estes fatores à probabilidade de cometer crimes ou se envolver em atos violentos): ser do sexo masculino, ter comportamento impulsivo, ser pobre, ter uma família desestruturada, ter baixa frequência escolar e conviver com desestruturação social.
Precisamos educar os meninos e reeducar os homens.
Um projeto lançado em 2015 pelo Governo do Espírito Santo usa a educação como base para recompor fundamentos culturais, visando a redução da violência contra a mulher. A Secretaria Estadual de Segurança de São Paulo também tem um projeto com o mesmo nome e propósito, visando reeducar homens autores de violência doméstica e familiar. Projetos como estes impactam todas as pessoas, provocando discussões sobre a estrutura patriarcal em que encontramos as bases da sociedade atual.
Muitos são os questionamentos sobre a educação cultural de meninos e meninas desde a infância, do quanto as famílias, programadoras originais do nosso software da mente, reproduzem os estereótipos de papéis sociais determinados para cada gênero associados ao sexo do nascimento, na maioria das vezes.
Sou mãe de menino e menina. Sou filha única também, tia desde o nascimento pois meu pai me deu um irmão mais velho, filho de um casamento anterior, que já era pai quando eu nasci. E já que falei de machismo, cabe dizer que sempre convivi bem com a tirada machista “vai ficar pra titia” porque já nasci com esse título do qual muito me orgulho. Mas foi a maternidade que me ensinou um pouco mais sobre as ditas diferenças entre os sexos e os papéis sociais atribuídos aos respectivos gêneros. Meus filhos, hoje adolescentes, diariamente me provocam e estimulam reflexões e ponderações sobre o que espero deles (como mãe, matriarca, papel de certa forma dominante na ainda hierárquica estrutura familiar onde o pai ocupa uma posição paritária). Nesta posição, tenho influência direta na formação deles e na ampliação do contexto em que se posicionam como participantes no jogo da vida. Nas outras tantas posições que ocupo, devo oferecer apoio a quem busca esse equilíbrio e percebe a educação como recurso fundamental para habilitar escolhas e amplificar o acesso às oportunidades.
O que você, homem ou mulher, pode fazer a respeito? Vamos falar sobre isso?