O patinho feio

Em 2 de abril é celebrado mundialmente o Dia do Livro Infantil em homenagem a uma das referências da literatura infantil mundial: Hans Christian Andersen.

Autor de muitos contos e histórias que encantaram – e ainda encantam – gerações, esse dinamarquês que viveu no século XIX nasceu em uma família pobre, perdeu o pai aos 11 anos e não frequentou a escola regularmente por falta de recursos. Solteiro até o fim da vida, não teve filhos e mesmo assim, escreveu algumas das obras mais conhecidas da literatura infantil.

Poderíamos falar sobre estereótipos e vieses a partir da biografia de Andersen. E ele soube usar muito bem a sua origem para emplacar suas obras. Um de seus fatores de sucesso era a linguagem simples, além do tom autobiográfico de algumas histórias. Conta-se, por exemplo, que ele era um verdadeiro “patinho feio” na juventude. E foi justamente esta obra, o clássico “O Patinho Feio”, que escolhemos para falar sobre educação inclusiva, tema do mês na Academia da PlurAllidade.

Importante instrumento de educação e lazer, um bom livro pode nos trazer muitas reflexões. E como aqui estamos com nossa lente amplificada para capturar toda a pluralidade que nos cerca, encontramos neste clássico uma aula sobre inclusão.

A aversão ao diferente é natural

A história conta que a mamãe pata estranhou ter em seu ninho um ovo maior que os outros. Num primeiro momento, ela decidiu dedicar a ele todo o seu calor, chocando-o com muito carinho e atenção, na expectativa de que por ser diferente aquele seria o mais belo. E qual não foi a sua surpresa quando aquele ovo revelou um patinho cinzento, desajeitado e maior que os seus irmãos. A surpresa foi se transformando em vergonha quando as visitas não disfarçavam o estranhamento e rotulavam o patinho diferente. Vendo tudo isso, os irmãos logo o segregaram e foram bem cruéis no trato com o irmão cinzento.

Como a sociedade humana. Acolhemos prontamente o que percebemos como normal. E normal é o que vemos. WYSIATI – What You See Is All That Is – é uma expressão criada por Daniel Kahneman, autor de “Rápido e devagar, duas formas de pensar”, para reafirmar que nosso campo de visão sempre será limitado pelo alcance do que vivemos. E esta será sempre a escolha mais fácil, pois é da natureza animal (e humanos são animais humanizados) identificar como ameaça tudo o que não reconhecemos como normal. Mas cabe ressaltar que, como animais humanizados e inteligentes que somos, viver com essa limitação é, sim, uma escolha pois o contraponto pode ser encontrado na diferença, no ponto de vista diferente de outras pessoas, que trazem outras vivências e ampliam o que podemos ver.

Como a família pode ajudar a construir uma cultura de aceitação (ou não, no caso do Patinho)

Voltando ao conto do patinho feio, além dos irmãos terem-no rejeitado, também a mãe acabou por se deixar dominar pela vergonha que atribuía ao filhote e o abandonou. Rejeitado, coube ao patinho vagar pelo mundo, por onde encontrou outros animais que zombavam dele, outros que quiseram ser seus amigos e humanos que o acolheram. Observando aquele mundo tão maior que o mundo que até então conhecia, viu nos cisnes um modelo de elegância e cordialidade, mas sua baixa autoestima não permitia que se percebesse pertencendo àquele grupo também.

Aqui cabe ressaltar o peso das referências que influenciam nossas escolhas e decisões. Já falamos sobre a importância da diversidade de origem, do quanto impactam nacionalidade, naturalidade, formação acadêmica e profissional na cultura em que vivemos e o tanto que essa cultura pesa no desenvolvimento e formatação de nossos valores. Se é sabido que muito do que somos se desenvolve na infância, é importante perceber o quanto a família e o meio em que crescemos influenciam, acelerando ou atrasando nosso caminhar.

Toda pessoa é uma educadora em potencial. Não precisa ser mãe, pai, tio ou professora. Cada um de nós influencia alguém em algum momento. Por isso, essa reflexão é para todos nós, que devemos nos educar ou reeducar, se preciso, para educar outras pessoas.

O valor da identidade – como um direito fundamental

Chegando ao final do conto, vale pontuar a persistência e a resiliência do patinho. Admirando a beleza e a elegância dos cisnes, ele encontrou forças para seguir em frente, apesar das adversidades. Mas, já crescido e percebido por outros animais como um cisne, ele mesmo só se viu como tal quando cresceu dentro dele a coragem para se expor e chegar perto daqueles que admirava.

Podemos afirmar que o patinho precisou encarar sua vulnerabilidade para encontrar sua verdadeira identidade. E notem que a história só tem um final feliz, como deve ter toda história infantil, quando o protagonista se assume como tal, quando o patinho que sempre foi cisne, mas não se percebia um, se despe e revela quem realmente é.

Quantos patinhos feios – que são cisnes e não se veem como tal – conhecemos?

Quantos cisnes – que se percebem patinhos feios – estão dentro de nós, esperando que acreditemos neles?

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