Como nossos pais

Nossa origem diz muito sobre quem somos: a família, a vizinhança, o acesso à alimentação adequada e educação essencial, tudo isso ajuda na formação de caráter, crenças e valores que levamos para a vida. Tudo contribui, mas nada é determinante. Recebemos influências de diferentes fontes. Podemos citar religião e cultura como outros fatores relevantes, que complementam a nossa pluralidade de influências, sim. Mas ainda não fecham a questão.

Fato é que somos fruto de muitas combinações e, acima de tudo, escolhas. E estas são muito individuais, singulares mesmo. Há quem diga que “alguém” é produto do meio em que vive. Sim, especialmente quando a influência desse meio é forte. Mas certamente conhecemos pessoas que, mesmo nascidas e criadas segundo um determinado padrão, fogem dele na primeira oportunidade de escolherem algo diferente.

As escolhas que fazemos ressaltam as nossas singularidades. Os momentos em que desviamos da rota que parecia padronizada. Numa família de médicos, eis que surge um bailarino. A mãe advogada esperava que a filha assumisse o escritório de sucesso fundado pelo avô, mas ela quer ser chef de cozinha. O jovem rompe o ciclo de pobreza da família e da comunidade onde nasceu e foi criado, empreendendo em um negócio inovador que emprega muitos vizinhos e faz crescer a esperança em muitas famílias do local. Escolhas quebram padrões, geram movimento e inspiram mudanças. Escolhas nos tornam ainda mais plurais, quando reforçam as nossas singularidades e nos fazem perceber que podemos ser mais do que um padrão.

Assim como as crenças e valores, também os preconceitos são estruturais. Oriundos da base em que somos formados, têm impacto no comportamento que expressamos frente à vida e às pessoas que nos cercam. Até mesmo nas nossas escolhas. Conceitos pré concebidos, como gosto de explicar, são padrões que identificamos como aceitáveis – às vezes até como os únicos viáveis. Mas quando penso algo assim, deixo que uma voz (tímida, cautelosa, mas ousada na medida certa) me desafie perguntando: “isso é um padrão para quem?”.

Padrões são importantes como bases de comparação validadas por uma autoridade ou mesmo um órgão específico – e devem ser seguidos sempre que impuserem condições de segurança para pessoas ou processos. Mas se pensarmos na etimologia da palavra, padrão vem de pedra – e um julgamento não pode ser duro como uma pedra. Neste sentido, padrões se modificam ao longo dos tempos. Nem sempre evoluem, mas mudam, com certeza. Porque as pessoas mudam, a sociedade muda e novos padrões são estabelecidos.

Se ao longo de uma vida singular, uma pessoa passa por muitas mudanças e persegue diferentes objetivos, deve ser capaz de escolher os padrões que pretende seguir a partir de sua base de crenças e valores. E deve ser ainda mais capaz de perceber o quanto seus preconceitos podem estar lhe guiando para caminhos por onde a sociedade já não quer mais passar. Se erramos, como sociedade, no passado, que saibamos perseguir o acerto a partir de agora. 

Que os versos de Elis Regina fiquem apenas na música, de uma vez por todas… “apesar de termos feito tudo o que fizemos, ainda somos os mesmos e vivemos como nossos pais”.

Fala-se muito em empatia e escuta ativa. Mas eu ampliaria o conceito para percepção ativada da pluralidade do mundo em que vivemos. Conviver em sociedade é viver com outras pessoas, que a esta altura já sabemos que são diferentes de nós. E a recíproca é verdadeira. Somos todos diferentes. E devemos nos respeitar mutuamente pelo que somos.