Puxei para mim a responsabilidade, entre minhas sócias, de redigir esta homenagem que nós da FourAll queríamos fazer às mulheres.
Seria talvez mais esperado e mais genuíno que o texto fosse redigido por uma mulher, evitando eventuais e normais vieses, de quem está um pouco mais distante do contexto feminino. Mas senti-me na obrigação, primeiro por representante do sexo masculino na busca de um resgate dos erros que cometemos e continuamos a cometer, ainda que por vezes, inconscientemente.
Convido você a viajar no tempo, e vir comigo para a Itália do século XVI. Provavelmente poucos de vocês devam ter ouvido falar de uma pintora chamada Sofonisba Anguissola, primeira mulher artista a ser reconhecida que se tem notícia.
Normal se não ouviram. Afinal, os livros naquela época eram escritos por representantes do sexo masculino, bem como, uma mulher pintar naquela época era considerada uma transgressão, e não poderia ser divulgada. O que é indevido, não deve ser publicado, e deve permanecer nas sombras.
Afinal, o que não é visto, simplesmente não existe, não é mesmo?
Naquela época, as mulheres tinham um espaço reservado e restrito aos lares, e ultrapassar esta fronteira significava adentrar num mundo “público”, ironicamente restrito aos homens. Então, toda prudência e diplomacia eram muito bem-vindas. E isto Sofonisba tinha de sobra. Vejam o quadro abaixo:
Era comum naquela época serem retratos. Neste caso, estão sendo retratados ela própria e aquele que foi seu mestre de pintura. Neste quadro ela é o sujeito principal.
Se vocês observarem, aqui ela habilmente reivindica o seu lugar na sociedade, de maneira discreta e quase velada. Isto se revela no olhar do seu mestre, direcionado para o autor do quadro: ela. Neste simples gesto, ela emite a mensagem que seu mestre passa ser seu modelo e ela pintora, ocupando um espaço originalmente dele.
Nesta briga de poder oculta, ela inverte os papeis: ele, homem, está sendo pintado por uma mulher, ainda que aparentemente, ele esteja pintando também.
Por detrás desta simples pintura, está um manifesto de uma identidade feminina, que lutou para abrir os primeiros espaços numa sociedade dominada pelos “machos”.
Num simples jogo de olhar, ela se fez visível. Por meio deste discreto gesto, ela não só se mostrou ao mundo como artista, mas também, e sobretudo, como mulher.