Fé, Espiritualidade e Religiosidade são temas que transcendem nossa razão. Por mais racionais que queiramos ser, entendo que esse tema tem forte relação com o sentimento. Sim, é preciso sentir a fé, assim como a esperança, o amor ou a felicidade. Refleti sobre todas essas ideias e conceitos ao escrever o módulo publicado ontem na Academia de PlurAllidade sobre Diversidade Religiosa. E estou muito feliz com essas reflexões, por isso quero compartilhar um pouco delas com você, que lê nosso blog Para Todas as Pessoas. Alguns trechos desse módulo foram transcritos para esse texto.
O professor Mario Sergio Cortela citou Dostoievski ao introduzir o livro “Crer ou não crer”, que reúne uma conversa franca entre o Padre Fábio de Melo e o historiador ateu Leandro Karnal. “Se Deus não existe, tudo é permitido”, segundo Dostoievski. Mas será mesmo que precisamos dos limites que este Ser Supremo nos impõe? Será que é Ele mesmo quem faz isso? Será que precisamos de limites? Ou será que esses tais limites não estariam em nós mesmos? Afinal, Deus existe mesmo?
Jean Piaget, psicólogo que se tornou referência para a Educação infantil, defende que o desenvolvimento moral do ser humano tem 3 estágios: anomia (quando ainda não é capaz de compreender ou seguir regras), heteronomia (quando segue as supostas regras ao repetir o comportamento de alguém que segue, eventualmente ainda sem compreendê-las) e autonomia (quando compreende, aceita, internaliza e segue as regras).
Padre Fábio de Melo cita Piaget ao falar sobre como a busca da moralidade está diretamente relacionada à imposição de limites, o que nos leva a uma relação com o sagrado que pode ser encontrada no conceito de religião, uma vez que é a partir dela que adotamos as lentes com as quais veremos o mundo sob o prisma moral. Daí a importância de considerar a diversidade religiosa como uma ponta relevante da Mandala de diversidades. Essas lentes através das quais vemos o (nosso) mundo podem clarificar nossa visão ao nos confortar com conceitos que nos ajudam na caminhada individual, mas também podem nos impedir de ver o que outros veem. Como quando usamos um óculos de leitura e alguém nos chama ao longe. Enxergamos bem o livro que está em nossas mãos, mas vemos apenas um borrão na figura que nos chama a 3 metros de distância.
Mas afinal, o que queremos ver?
No livro “Fome de Deus”, Frei Betto afirma que os mestres espirituais mais admirados são aqueles que nos inspiram a refletir sobre nossas dificuldades para vivenciar os mesmos martírios, as devoções, os comportamentos que eles representam. São exemplos de virtude e parecem ter encontrado o caminho da felicidade plena.
Mas “a felicidade não é deste mundo”, diriam muitos que creem que existe uma vida espiritual eterna após a morte do corpo físico. Diferentes religiões divergem em como seria essa vida, mas que ela existe, muitas ratificam. Então, a felicidade seria uma busca interminável?
No livro “Homo Deus: Uma Breve História do Amanhã”, Yuval Harari sugere que o próximo passo da humanidade é buscar a felicidade, evolução natural a partir do ponto em que já tivermos acabado com mazelas como a fome e o analfabetismo.
Mas se é a felicidade que buscamos, e se entendemos que a felicidade não existe enquanto apenas uma pessoa a puder exercer, então devemos trabalhar para tornarmos melhor e mais feliz o mundo que nos cerca. Começa em nós. Mas deve ultrapassar essa fronteira e chegar nas outras pessoas. Cabe destacar que para que isso aconteça, devemos agir. Note que falamos em trabalho e na interdependência entre as pessoas. Então, encontramos o “algo além” que viemos provocar: diferentes religiões trazem o mesmo conceito com termos diferentes. Reforma íntima, aprimoramento moral, aperfeiçoamento humano. “Cada um procura a forma que melhor lhe responde”, diz o Pe. Fabio.
E para fechar este patchwork de referências, vale a Regra 4 do livro de Jordan Peterson, “12 Regras para a Vida”: “Compare a si mesmo com quem você foi ontem, não com quem outra pessoa é hoje.”
Peterson nos convida a começar a jornada por dentro, dentro de nós mesmos, identificando o que chama de “crítico interno” e tomando posição frente as retaliações que ele nos faz, evitando comparações com outras pessoas, pois “não somos iguais em habilidades e resultados, e nunca seremos”. Ele ressalta a importância do autoconhecimento com base e do foco como um hábito a ser equilibrado. Foco é importante, sim, mas foco demais em um ponto pode nos cegar em relação à paisagem. Aqui ele nos chama a atenção para o ponto mais importante da narrativa: é desse jeito que lidamos com a complexidade a nossa volta. Vemos o mundo do nosso jeito ou “o que vemos depende de nossas crenças religiosas? Sim. E o que não vemos também.” O chip de moralidade que temos instalado em nossos hardwares de adultos condiz com a nossa formação (do jeitinho que Piaget descreveu).
Mas Peterson nos estimula a prestar atenção em nós mesmos. “Perceba algo que o incomoda, que o preocupa, que não o deixa ser, que você poderia consertar, que você consertaria.” E faça! Foque. Aprenda. Mude, se necessário. E depois compare a si mesmo com o seu eu anterior. Se estiver melhor que ontem, já valeu.
O professor Harari nos lembraria que “quando Epicuro definiu a felicidade como o bem supremo, advertiu seus discípulos de que ser feliz exige trabalho duro”. O trabalho de aperfeiçoamento pessoal ou reforma íntima requer dedicação e esforço para buscar o autoconhecimento, requer foco e disciplina para tomar as ações necessárias. Mas acima de tudo, requer vontade e determinação e independe da fé.
Amém! Que assim seja!