Criando um ambiente seguro

“Preconceito é como doença.” Segundo Daniel Kahneman, precisamos dosar bem a nossa autoconfiança para evitar o prejulgamento que surge quando confiamos demais nas nossas verdades e prontamente desqualificamos o que difere delas. Ele sugere um processo que chama de “higiene de decisão ou julgamento”, uma verdadeira limpeza na base do nosso pensamento. Esta seria uma forma bem eficiente de lidar com preconceitos e evitar a discriminação afinal, como aprendemos no módulo sobre Preconceito e Discriminação da Academia da PlurAllidade, o preconceito é uma atitude e a discriminação, um comportamento. Ambos são negativos, mas o primeiro está no campo do pensamento e, quando tomamos consciência dele, pode ficar armazenado lá, impedindo que se transforme em comportamento.

Teorias comportamentais dissertam sobre como as pessoas se comportam individualmente e em grupos, sendo os grupos categorizados como aqueles aos quais as pessoas entendem pertencer (chamados ingroups) e os outros – aos quais estas mesmas pessoas não pertencem (conhecidos também como outgroups). Então podemos afirmar que os estereótipos, os preconceitos e, consequentemente, a discriminação ocorrem apenas entre grupos in e out? A Psicologia reafirma que é nos grupos aos quais eu julgo pertencer que eu me reconheço, chegando a favorecê-los e tendendo a menosprezar ou mesmo hostilizar os grupos aos quais não pertenço. Tomemos por exemplo as torcidas de times de futebol. Uma pessoa que torce para o Flamengo tende a menosprezar pessoas que torcem por outros times porque seu time tem um resultado historicamente consistente nos campeonatos. A torcida do Fluminense talvez critique a do Flamengo por ser um grupo muito maior, representativo de classes sociais mais baixas e com menos instrução. Ambas as torcidas tendem a criar estereótipos como estes (“baseadas em dados”, alguém poderia afirmar) em relação umas às outras, desenvolvendo atitudes preconceituosas que podem impactar seus relacionamentos e gerar eventuais comportamentos discriminatórios. O mesmo exemplo cabe para questões políticas, como percebemos claramente desde as últimas eleições presidenciais no Brasil, ou ainda para gosto musical, quando ouvimos a música alta da casa ao lado. Ingroup sempre é o grupo ao qual eu pertenço (o meu time de futebol, minha torcida, meu partido político, minha música). Outgroup, o grupo ao qual eu não pertenço (“não quero pertencer e tenho raiva de quem pertence”… conhece a piadinha infantil?). Mas e se o exemplo for uma empresa? Não seriam todas as pessoas contratadas por uma empresa um mesmo ingroup?

Especialistas em cultura organizacional diriam que pessoas contratadas para uma mesma empresa deveriam congregar dos mesmos valores que esta empresa. Certo. Mas isso ainda não significa que sejam pessoas iguais. Quando falamos em grupos e nas relações entre grupos, estamos falando de agrupamentos de pessoas que compartilham comportamentos específicos e, numa empresa, pode haver diversos grupos contidos. Desta forma, é possível concluir que, mesmo ao agrupar pessoas que compactuam de valores iguais, é preciso oferecer a elas um ambiente em que possam se expressar e relacionar com abertura para trasporem seus valores pessoais em valor para a organização – e isso só acontece quando se sentem seguras e incluídas, afinal o senso de pertencimento é algo que buscamos desde sempre, porque como seres humanos buscamos primitivamente segurança e proteção.

Neste artigo trago algumas contribuições para criar um ambiente inclusivo e seguro baseadas no Modelo de Inteligência Emocional e Diversidade (IED) desenvolvido por Anita Rowe, Jorge Cherbosque e Lee Gardenswartz, autores do livro Inteligência Emocional da Gestão de Resultados, no qual afirmam que o modelo foi criado para ajudar pessoas a conviverem melhor, aprendendo a conhecer e controlar suas emoções e reações quando confrontadas com a diversidade, as diferenças que outras pessoas insistem em expor. Pode parecer banal. Talvez seja. Mas fato é, mesmo depois de tantas centenas de anos vivendo em sociedade, ainda não é fácil aceitar que a sociedade não é formada por pessoas iguais.  Não estamos falando de igualdade, mas sim ressaltando que somos diferentes em uma série de eixos que formam nossas habilidades cognitivas, traduzidas pelas diversidades que expomos e que incomodam as pessoas que se veem diferentes de nós. E vice-versa. Vamos às dicas.

Vista a camisa de intérprete cultural.

Partindo do princípio de que somos pessoas diferentes umas das outras, quando se trata de entender o comportamento de outras pessoas, existe uma lacuna entre o que você vê e o que realmente é. E para preencher esta lacuna você precisa querer, de fato, entender o que a outra pessoa expressou – e isso vai além de ser empático.

“Ser um intérprete cultural significa que você é multilíngue em comportamentos. É capaz de traduzir ou decodificar comportamentos.”

Assumir o papel de intérprete cultural implica em ter ciência sobre a cultura que você representa e expressa para que você possa perceber que comportamentos contrários ao que você defende podem ser expressões de outras culturas. E mais: demanda que você queira perceber não apenas o lado ruim de um comportamento ou pensamento diferente do seu, mas que busque conhecer o que há de bom nesta outra perspectiva, encontrando aprendizado no caminho.

Faça o que você diz que faz.

“Não posso ouvir o que você está dizendo pois quem você é soa muito alto aos meus ouvidos.” Esta frase de Ralph Waldo Emerson, um escritor americano do século XIX, diz muito sobre o quanto devemos ser transparentes entre a fala e a ação. Desde o pensamento, talvez? Bem, lembremos dos ensinamentos do Professor Kahneman: o Sistema 2, mais pensativo, cauteloso, tem por missão controlar e segurar a impulsividade do Sistema 1. Quando Waldo nos diz que quem somos soa alto aos seus ouvidos, ele deixa claro que nossas ações determinam como as outras pessoas nos veem, por isso devemos agir conforme o que falamos, mesmo quando ainda pensamos algo que contrarie estes movimentos. Autocontrole é a chave.

Saiba como tratar as diferenças.

Em cada um destes pontos está contida uma ação de autoconhecimento. Para este, os autores sugerem um processo em 4 passos que chamam de “conversa ao cerne da questão”.

  1. Conversa sensorial: Descrever a realidade como você a vê.
  2. Conversa cerebral: Listar as suposições que você faz, a sua interpretação sobre o comportamento das outras pessoas.
  3. Conversa sentimental: Rotular os sentimentos que você sentiu ao viver e lembrar dos fatos.
  4. Conversa espiritual: Expressar o que gostaria que acontecesse, como se falasse com as pessoas envolvidas na situação. Uma preparação para fazer isso no momento oportuno.

Por fim, converse, avalie, meça, revise, persista com as ações anteriores.

Uma vez entendido como deve ser o comportamento das pessoas que querem construir um ambiente seguro e inclusivo, é preciso agir, criar espaços de escuta ativa, medir periodicamente se as pessoas estão atuando conforme o combinado, se de fato percebem o ambiente como seguro e inclusivo. O grupo muda e pode não ser o mesmo que desenhou a cultura a ser seguida quando houver uma avaliação, mas é preciso que o ambiente permita que as pessoas que entram possam preencher o vácuo de comportamentos aderentes ao desejado, ao que foi planejado – não ao que era antes. E essa equação de mudança é uma constante pois a construção de um ambiente seguro depende de toda e cada pessoa envolvida.

E qual é o papel da empresa nessa equação?

À empresa, cabe fomentar um ambiente que propicie condições para que tudo isso aconteça. Kanehman cita um aprendizado do livro Nudge, de Richard Thaler e Cass Sunstein: “Você pode mudar as decisões que as pessoas tomam mudando o ambiente, a chamada arquitetura de escolha”. Que as empresas, formadas por pessoas, ajudem de fato as pessoas a escolherem melhor seus pensamentos e tomarem melhores decisões, oferecendo ambientes em que a segurança psicológica é valorizada, para que isso se repita na sociedade.

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