Reflexões sobre o etarismo nas organizações

É conhecida a grande transformação que está ocorrendo na distribuição da população brasileira ao longo dos últimos 45 anos. Nossa forma tradicional de pirâmide, com uma população mais jovem na base, está migrando para uma outra, com um desenho mais sofisticado de diamante, onde a população com cerca de 40 anos ou mais está ganhando terreno. O que tem contribuído para que isso esteja se verificando são alguns fatores já bastante divulgados: a queda da taxa de fecundidade, a queda da taxa de mortalidade e o aumento da expectativa de vida.

Estamos convivendo, ou melhor, aprendendo a conviver com pessoas mais velhas ao nosso redor. Este mesmo fato ocorreu de maneira mais gradual, nos países europeus (ao longo de quase 3 séculos), que permitiu com que eles fossem se adaptando mais facilmente à mudança. Por conta da velocidade com que esta realidade se concretizou em nosso país, é possível que ainda estejamos condicionados a uma realidade relativamente recente, presos a alguns vieses etários. Ouvimos com frequência: o Brasil é um país jovem, é um país de jovens, não é mesmo?

Talvez a necessidade de mudança de mindset relativa à coexistência de distintas gerações num mesmo ambiente não seja exclusivamente nacional, afinal vemos filmes recentes americanos em que as empresas, que discutem o tema de forma descontraída, como em O Senhor Estagiário, filme estrelado por Robert de Niro, ou ainda, Os Estagiários com Vince Vaughn e Owen Wilson. Ambos os filmes mostram o lado da convivência com pessoas de mais idade, num ambiente tipicamente mais jovem do mundo das startups.

O convívio com maior frequência com grupos de gerações mais variadas tem ajudado a quebrar preconceitos relacionados com a idade, chamado também de etarismo, ou ageísmo ou ainda idadismo. Originalmente, mais precisamente em 1969, quando Robert Butler cunhou o termo etarismo, seu uso estava relacionado a um olhar enviesado para com as pessoas mais idosas. Com o passar do tempo, o sentido foi se alargando, a ponto de hoje ser entendido como qualquer forma preconceituosa relacionada puramente à idade de uma pessoa, seja ela mais jovem ou mais velha.

Não é incomum ouvirmos comentários de que uma pessoa é percebida como muito jovem para assumir determinada função. Outras indagam se uma pessoa com idade mais avançada será capaz de alcançar e acompanhar as evoluções tecnológicas. Estas formas de pensamento enviesado estão muito relacionadas com os estereótipos que vamos moldando ao longo do tempo.

Por exemplo: é comum tomarmos como uma verdade que um profissional mais maduro seja mais estável, mais confiável. Mas também mais lento, menos capaz de se ajustar às mudanças, com maiores dificuldades na absorção de novas tecnologias. E esta forma de pensar não fica restrita ao nosso país. Ela também se verifica em várias outras culturas. Um clássico do cinema japonês, chamado a Balada de Narayama, traz à cena um filho que se vê num dilema com sua mãe, presos numa tradição secular local. A cultura japonesa daquela localidade impunha que todo filho deveria levar seus pais ao topo de uma montanha, quando atingissem determinada idade, para que lá pudessem morrer e não serem mais um estorvo numa comunidade com restrições alimentares fortes e carente da força de todos os seus habitantes. Não havia espaço para os idosos. Ele reluta em seguir o costume por perceber que sua mãe ainda tem capacidade produtiva. Sua mãe então, sabendo que a sensibilidade de seu filho poderia comprometer a tradição, quebra seus próprios dentes, mostrando que está na hora de ser levada para seu destino final.

Não seria de todo equivocado transpormos esta cena retratada do filme para a nossa realidade atual. Presenciamos um mercado cada vez mais competitivo, onde os erros e desperdícios organizacionais são menos tolerados, sob pena das empresas perderem espaços. Neste contexto é ainda frequente assistirmos profissionais de mais idade serem dispensados, num modo de assepsia etária, e ficarem sem um rumo certo de qual caminho seguirem, por saberem das restrições culturais friamente impostas pelo mercado de trabalho.

Ao nos debruçarmos para os níveis hierárquicos de uma organização, e tentarmos mapear as idades médias de cada nível gerencial, eles podem se constituir num indicador, na percepção dos colaboradores de que a ocupação determinada vaga para uma função gerencial, poderá ser difícil ser alcançada para alguém que esteja muito fora da média, tanto para mais como para menos. Aqueles que estão com uma idade acima da média tendem a se sentir com menores chances de galgarem novos espaços dentro da empresa. Já os mais novos, podem acreditar que ainda existe muito chão pela frente.

Existem outros estudos que apontam que parte das pessoas numa organização, que vão chegando a idades mais avançadas, começam a ter um movimento instintivo de autodefesa, de se isolarem dos grupos, por perceberem alguns tipos de brincadeiras e piadas preconceituosas relativas à idade.

Foto de cottonbro no Pexels

O etarismo é uma situação que todos nós podemos passar, independente de que grupo fizermos parte dentro da nossa sociedade. Mas pesquisas revelam que as discriminações podem ser mais significativas para as mulheres do que para os homens, simplesmente por conta do avançar da idade. O processo de envelhecimento traz ainda consequências maiores para as comunidades LGBTQIA+, que se tornam mais vulneráveis com o caminhar da idade, sujeitos a discriminações que os levam a um processo de isolamento e solidão, como retratado no livro recém-lançado no mercado nacional: O Brilho das velhices LGBT+.

Em um estudo feito pela pesquisadora Fran Winandy no final de 2015, revelou que cerca de 1/5 dos profissionais com pós-graduação entrevistados em sua pesquisa afirmaram perceberem preconceito para serem aceitos em treinamentos, simplesmente em função da idade. Este sentimento é mais intenso para as pessoas entrevistadas com idades entre 40 e 49 anos, que estejam situadas na região Sudeste, e que sejam mulheres.

O curioso é perceber que se por um lado existe uma crença de que as pessoas mais velhas têm maiores dificuldades de serem convidadas a novos treinamentos, por outro lado, os profissionais que se capacitam menos, também têm menores chances de seguir trilhando num crescimento hierárquico, ficando reféns, num ciclo fechado (sem saída).

O que podemos fazer para mudarmos este mindset?

Talvez um primeiro passo, seja fazermos reflexões sérias sobre nossa forma de pensar e agir.
• Será que assumimos numa contratação que uma pessoa com mais idade é mais cara?
• Com relação a mulher, o que levaria a haver uma maior discriminação para as mulheres com mais idade, do para os homens?
• Por que normalmente um programa de talentos se relaciona com jovens, com forte restrição de idades?

São algumas das muitas reflexões que merecem ser feitas no sentido de entendermos um pouco mais como nos comportamos e como podemos estar impactando inconsciente e negativamente, na formação de uma sociedade mais justa e equitativa.