Sons que tentamos abafar

A beleza do corpo humano sempre foi exaltada por poetas, músicos, pintores, escultores e boa parte de nossa sociedade.

Em toda expressão artística estão incorporados valores que traduzem um estilo ou uma corrente de pensamentos e sentimentos de um contexto específico.

O tango, por exemplo, tem uma forte conotação de paixão, misturada com uma pitada de melancolia e tristeza. Passos rápidos. Corpos entrelaçados. Simbiose humana: um único ser.

Mas nem sempre as expressões artísticas foram bem aceitas. O novo geralmente estimula um sentimento de repulsa inicial, uma espécie de contestação, de afastamento.

Em alguns momentos, esta mesma sensualidade da dança argentina foi associada a movimentos pecaminosos, por ter se originado em casas de prostituição na Buenos Aires do final do século XIX. Enquanto as filas se formavam nestes espaços reservados ao prazer mundano, como era visto, formas de entretenimento foram sendo criadas, para manter os clientes aquecidos. Uma das maneiras encontradas foram experiências musicais, que combinavam polca européia, a havaneira cubana, o candombe uruguaio e a milonga espanhola, fazendo uma miscigenação de ritmos, dando tom e forma ao Tango Argentino, e fazendo dele uma arte plural. Durante algum tempo, se percebeu o tango como algo imoral, mas que foi perdendo este preconceito, na medida em que se popularizou na voz de Carlos Gardel.

Um caminho similar teve o Funk brasileiro.

Rotulado como uma dança vulgar, da periferia, ele começou a ganhar mais corpo nos caminhos estreitos, tortuosos, mal cheirosos e apartados das favelas, por volta dos anos 1980. Com uma batida marcante, forte, som quase que ensurdecedor, ele soa como uma espécie de catarse, de grito de liberdade, de pessoas que ficam à margem da sociedade privilegiada do asfalto.

O Funk, tal como o Tango, tem também uma diversidade imensa de ritmos combinados, como o Jazz, o Miami Bass, a Soul music, e o próprio rock. Alguns ainda percebem traços dos repentistas nordestinos.

Alguns DJ´s que chegavam da Flórida trouxeram a batida para dentro das comunidades cariocas, ganhando aos poucos espaços, em âmbito nacional. As letras, muitas vezes, vêm carregadas de denúncias de uma realidade das periferias, se tornando uma espécie de hino de uma parte da população esquecida.

O Funk não foi bem aceito logo que surgiu. Na verdade, a rejeição e a discriminação com este estilo musical não estão relacionadas apenas com as letras das composições ou com o seu ritmo. Percebem-se pensamentos preconceituosos disfarçados e ocultos ao meio, ao nível de instrução, e às origens de quem o canta, toca e dança.

Seguindo o passo de qualquer inclusão social, alguns estilos musicais, trilham caminhos pedregosos.

Mas, felizmente, por mais que se imprimam esforços para abafá-los, de alguma forma eles conseguem uma brecha para se fazerem escutar.