Para crescer precisamos baixar a guarda

Queria começar o blog desta semana com uma pequena história. 

Era uma vez um homem que tinha 3 filhos.  Ele morre, e deixa como herança 17 camelos, dos quais o primeiro filho ficaria com metade, o segundo com um terço, e o terceiro com um nono.  Mas como dividir 17 por 2, ou por 3 ou por  9, como estava expresso no documento?  Sem encontrar uma solução, os 3 irmãos foram pedir ajuda para uma muito sábia mulher idosa.  Explicaram para ela a situação, e apresentou uma solução para eles: por que vocês não ficam com o meu camelo?  Assim vocês ficam com 18 camelos, que é divisível por 2, por 3 e por 9 e conseguem fazer a partilha.  E assim eles procederam.  O primeiro ficou com 9 camelos. O segundo com 6 e o último com 2.  A divisão totalizou 9+6+2 = 17, sobrando um camelo.  E assim, puderam devolver para a sábia mulher o camelo que ela lhes deu. 

Curioso que por vezes, não conseguimos enxergar a solução, presos no nosso paradigma. E temos que recorrer a outro olhar, para nos salvar e apontar o caminho. 

Vi recentemente uma reportagem que mulheres israelenses e árabes se uniram e criaram um movimento de paz internacional, visando resolver os dois lados do conflito: Women Wage Peace – aqui no Brasil Mulheres Declaram Paz.   

Um depoimento de Tania Geluda Harkayi, uma das ativistas do grupo, hoje residente aqui no Brasil, chamou-me a atenção.  

– Eu recebi com muita alegria a notícia maravilhosa, que eu iria ser avó.  Meu filho me disse que ele seria pai de um menino.  Mas logo esta notícia se transformou numa preocupação: o que vai ser do meu neto quando ele completar 18 anos?  Ele vai para a guerra?.  Isto me fez lembrar, que este mesmo pensamento eu também tive 40 anos atrás, quando tive o meu primeiro filho.  O que eu fiz desde então para mudar esta situação? 

Neste movimento feminino estão atuando conjuntamente mulheres israelenses, árabes-muçulmanas, árabes-cristãs, drusas, judias.  Ou seja, mulheres de diversas origens, diretamente envolvidas com a causa, que se uniram e resolveram dar um basta, tomando a frente na construção de uma nova realidade, de uma situação conflituosa que já perdura por gerações. 

É surpreendente ver que uma situação de conflito perdure anos a fio, sendo que na grande maioria das vezes as tratativas para a negociação da paz tenham sido feitas, quase que exclusivamente por homens, envolvidos diretamente no conflito.  Ou seja, as mulheres ficaram à margem das discussões. Claro que, no caso específico das disputas entre árabes e judeus, talvez seja prematuro afirmar que se terá uma solução à curto prazo, mas certamente é válida a iniciativa deste movimento pacifista feminino. 

Apesar de terem a mesma origem, a perspectiva das mulheres, menos belicosa, mais distante do calor das batalhas, e talvez um pouco mais sensíveis às perdas dentro das famílias que os homens, possam ajudar num entendimento. 

É interessante neste e em outros processos perceber que por mais que tentemos mudar, estamos presos à nossa forma de pensar e ver as coisas, e que é preciso ter um olhar diferente, neutro, que propicie a saída do ciclo vicioso que, sem querer, nós construímos . 

Nós como indivíduos tendemos naturalmente a resistir em ouvir outras perspectivas.  Algo estranho e diferente, que venha de fora, tem um tom inconsciente de ameaça, que pode fazer ruir aquilo que temos estruturado durante anos.  Pode tirar o sono, pode gerar desconfortos, pode fazer sair do nosso espaço de segurança, que nós mesmos criamos dentro de nós.  Assim, nossa tendência natural é reagir, como espécie de autodefesa, com receio de destruir a nossa identidade.  E neste sentido, somos todos um pouco fundamentalistas. 

Ao longo de nossa jornada como pessoas construímos a nossa própria identidade, que nos delimita, nos define, como uma espécie de território, que para nos proteger, colocamos cercas de arame farpado.  

Mas o nosso território é estreito, e cedo ou tarde, a vida nos convida a ampliar nossas fronteiras.