Famílias empresárias desenvolvem uma cultura organizacional que atribui às pessoas da família as características e condições necessárias para empreender e gerir o negócio. Tudo isso embalado pelo viés de grupo, que nos faz crer que este grupo (a família) é o único capaz de tomar conta do negócio. E como valorizar a diversidade nesse contexto?
Lançado em agosto de 2023 pela Publique Edições, o livro A Família Empresária tem um trecho dedicado a este dilema: Questões sobre cultura da diversidade em uma família empresária foi escrito por mim e deixo aqui um resumo de alguns dos principais tópicos abordados.
O determinismo genético caracterizado pela hereditariedade de dons para administrar os bens da família pode ser facilmente questionado pelos fatos. Mas a cultura, esta sim uma aliada da continuidade dos negócios, é forte o bastante para conferir longevidade aos negócios de uma família, desde que consiga expressar significado e que este se reverta em segurança e pertencimento, condições essenciais para o bem estar do ser humano. Estas podem ser ameaçadas pela expansão do círculo de controle e confiança, o que acontece quando se dá a profissionalização do negócio, com a entrada de pessoas de fora da família em posições de poder e influência, trazendo diferentes pontos de vista e perspectivas.
“Todo ponto de vista é a vista de um ponto.”
Leonardo Boff
Esta percepção permite à famílias empresárias a fundamentação de suas bases de sucesso e continuidade em perspectivas plurais, aproveitando e valorizando pensamentos e ideias de todas as pessoas que compõem a organização.
Como educar a família para a pluralidade se torna, então, o desafio fundamental que potencializa o caráter formador de uma instituição familiar. Mas ressalto que a formação deve ser cuidadosa o bastante para que as pessoas não sejam moldadas em uma mesma forma, um único molde que esconda suas diferenças e não permita a visão das diferenças de outras pessoas. Esse caráter formador da empresa familiar é o mesmo que confere à toda empresa, como grupo de pessoas adultas que é, a responsabilidade sobre a educação ou reeducação de pessoas adultas, dando a elas a oportunidade de revisitar conceitos e preconceitos embutidos em sua formação original.
Todo o processo começa pelo respeito à identidade de cada pessoa, muitas vezes escondida por um véu de julgamentos.
“O primeiro passo é admitir o intervalo entre quem você é, quem você quer ser e como as pessoas percebem você. O segundo é avaliar como você percebe as pessoas a sua volta, que lente você usa. E o passo seguinte é se disponibilizar para aprender e mudar comportamentos. A educação para a pluralidade implica em desaprender algumas crenças e verdades para reaprender sob uma nova ótica, uma lente diferente.”
Alguns conceitos básicos são explorados no livro, importante base exploratória para a reflexão individual, uma vez que a mudança de comportamento começa dentro de cada pessoa, dentro e fora da família. Explorar e valorizar a diversidade da dimensão Origens da Mandala das Diversidades pode ser tarefa desafiadora para uma gestão familiar. Mas cabe ressaltar que essa diversidade de perspectivas pode estar dentro de casa: só é preciso permitir que ela se mostre.
Por fim, é preciso lembrar que a valorização da diversidade e o respeito às diferenças são demandas da sociedade em que vivemos. Sim, é comprovado que a diversidade traz inovação. Sim, é comprovado que um ambiente de trabalho plural tende a ser mais inclusivo e psicologicamente seguro para todas as pessoas. Sim, aumenta a retenção na medida em que potencializa o senso de pertencimento. Mas não é natural, demanda esforço, intencionalidade e atenção, sempre com humildade e disposição.
“As regras do jogo social, segundo Minkov e os Hofstede (pai e filho), marcam a existência humana em 3 blocos de tempo: a primeira infância, a adolescência e a fase adulta. Na infância, aprendemos os valores básicos da cultura da família e do lugar em que vivemos. Na adolescência, adquirimos novos e intensos aprendizados, prioritariamente a partir do meio e de outras referências (mais relacionadas a como se vive e com quem se convive). Já na fase adulta, com certa maturidade adquirida, é esperada a evolução da capacidade de reaprender e desenvolver novas perspectivas a partir das escolhas profissionais, formação de nova família e outras associações. Perceba que as regras descritas pelos autores se alinham ao conceito piagetiano de educação e desenvolvimento moral. Jean Piaget aponta 3 fases também para este processo: desde a anomia (quando desconhecemos as regras), passando pela heteronomia (quando alguém nos ensina e seguimos) até a autonomia (quando percebemos valor e fazemos por conta própria). A semelhança entre os conceitos está no encadeamento das fases, à despeito da sugestão em blocos da vida relacionadas à idade – e cabe ressaltar que mesmo um adulto pode não ter adquirido maturidade necessária para desenvolver com autonomia a capacidade de enxergar novas perspectivas. Por isso o letramento se faz necessário.”
E há muito a ser feito.
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