Comecei a cursar a pós em Direitos Humanos, Responsabilidade Social e Cidadania Global da PUCRS e já na primeira aula, muito bem conduzida pela professora Flavia Piovesan, me deparo com conceitos e referências muito ricos que reforçam muito do que venho estudando sobre Pluralidade.
“Os Direitos Humanos celebram o idioma da Alteridade”. Esta frase é destacada por Flavia logo no início do curso. A palavra alteridade vem de alteritas, um vocábulo latino que significa ser o outro. É normalmente descrita como o exercício de colocar-se no lugar do outro, respeitando suas singularidades e acolhendo sua pluralidade. Eu não poderia ter escolhido um curso melhor para voltar aos bancos de uma universidade, mesmo que seja on-line. Ver a outra pessoa como alguém igual a mim e saber que, além da igualdade que nos une, existem diferenças que podem nos complementar como seres humanos, é mais que um conceito.
Falando sobre conceitos, Flavia resume que o fundamento dos Direitos Humanos, para os universalistas, estaria na dignidade humana, objetivo central da Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, o que implica em acreditar que exista um conceito mínimo de ética universal. Mas os relativistas reiteram que não existe uma ética ou moral universal, pois o pluralismo de culturas e ideias relativiza o discurso sobre direitos. Cabe ressaltar, como bem fez a professora, que existem diversos significados para cultura, mas aqui estamos nos referindo à cultura como um conjunto de crenças e valores que norteia as práticas de um determinado grupo. O que nos leva ao conceito de escolhas. Ela então cita um professor de Harvard, Anthony Jack. Ele afirma que “o indivíduo – e suas escolhas – é mais importante do que uma cultura a se preservar.”
Neste ponto da aula me lembro de Malala, a menina paquistanesa que defendeu o direito das meninas à educação e foi banida de seu país. Na sociedade em que ela nasceu e cresceu, mulheres não são valorizadas – ela conta que as pessoas da aldeia onde nasceu tiveram pena da mãe quando ela deu à luz uma menina, com a ajuda de uma vizinha pois a família não tinha condições de arcar com os custos de um hospital ou mesmo de uma parteira. O pai de Malala, no entanto, apesar de ser um membro atuante daquela comunidade pachtun, teve um comportamento muito diferente do que poderiam esperar de um homem comum e deu a sua menina o nome de Malala em homenagem à Malalai, a maior heroína do Afeganistão, descrita como a Joana D’Arc dos pachtuns, acreditando que ela também faria grandes coisas. Mas mais do que acreditar, esse pai a incentivou a ir além. Malala teve a dádiva de viver nesta cultura a partir de um lar onde algumas escolhas já haviam sido diferentes. Onde casamentos são geralmente arranjados por interesses das famílias, seus pais haviam conseguido se casar por amor. Onde famílias geralmente tinham 7 ou 8 filhos, seus pais tiveram apenas 3. Onde as tradições são muito importantes, a mãe vem de uma família reconhecida por ter mulheres fortes e homens influentes. Mas as mulheres são geralmente analfabetas e nem podem ir à escola. Naquela cultura, cabe a elas a cozinha e o cuidado com a casa e a prole. Não podem sequer sair de casa sem um acompanhante do sexo masculino. Mas Malala escolheu acreditar na frase que seu pai sempre lhe dizia “você será livre como um pássaro”. E com o apoio de uma família que acreditava na educação como um valor para a formação do ser humano, à despeito do que reverenciavam a sociedade e a cultura locais, Malala alçou voo defendendo a educação como um direito. Esse voo, que começou na escola onde ela morava com a família e já a levou a pousar num prêmio Nobel e em outras tantas discussões relevantes para o futuro da humanidade, ainda tem muito a ser percorrido.
E eu finalizo este artigo com um pensamento de Norberto Bobbio que nos ajuda a refletir sobre a importância de debater sobre Diversidade hoje e sempre, considerando que as lutas e ações emancipatórias, com a de Malala, têm papel fundamental em cada avanço ou mudança na sociedade e no seu entendimento sobre a cultura e os direitos: “os Direitos Humanos nascem quando devem, quando podem nascer. Não nascem todos de uma vez nem de uma vez por todas.”
Então, de uma vez por todas, que possamos respeitar os movimentos, as vivências e a pluralidade de todas as pessoas.