Como é gostoso estarmos inesperadamente diante de um grande mentor.
A surpresa é algo que intensifica e valoriza o aprendizado, sobretudo porque temos uma tendência de encarar o mentor como alguém com uma longa jornada profissional, geralmente detentor de vários diplomas, em universidades renomadas, ou ainda com alguma formação especializada. São os vieses culturais que todos nós carregamos.
Vou compartilhar dois episódios que ocorreram comigo e que me marcaram profundamente.
O primeiro foi no verão do ano passado. Estava me dirigindo para a biblioteca da FGV em Botafogo, e do lado de fora a gostosa sensação térmica de 47 graus, típica do nosso clima carioca. Entrei rápido, para me abrigar do calor da rua e pegar o ar condicionado, e fui pegar um copo de água. Olho através da porta de vidro, e me chama à atenção um senhor perto dos seus 60 anos, que estava do lado de fora, exposto ao sol. Com um limpador de vidros na mão, ele olhava atentamente para o vidro que estava limpando. Recuava um pouco para ver o efeito, e depois retornava. O suor escorria pelo seu rosto, e sua roupa estava encharcada. De repente, depois de muitas idas e vindas, ele abriu um sorriso de satisfação, vendo que estava perfeitamente transparente a porta, ele deu por encerrado seu trabalho. Eu me virei para a segurança que estava, como eu, abrigada do calor, e perguntei:
– Você viu isso? Que comprometimento e gosto pela perfeição? Então não me contive, abri a porta de vidro, e me dirigi ao senhor, que estava só, agora sentado na bancada externa do jardim, descansando apreciando a sua porta, e lhe dei meus parabéns pelo seu trabalho. Este senhor que não sabia que estava sendo observado, surpreso, agradeceu e depois, com muita simplicidade, retornou ao seu trabalho.
Com seu gesto simples, de uma dedicação ímpar, este senhor me deu uma aula de como dar o melhor de si, para obter o melhor resultado, independente do cansaço e das adversidades, e mantendo o brilho nos olhos, em qualquer tarefa que façamos, e por mais simples que possamos considerar.
Uma outra grande mentoria, que guardo com bastante carinho, ocorreu em 1995.
Era por volta das 15 horas da tarde, e numa brecha do meu trabalho, me dirigi super apressado para o colégio onde estudava minha filha mais velha. Era uma festa junina, e ela estava apenas com 3 anos de idade. A festa estava cheia, mas por sorte rapidamente consegui localizá-la. Então, me dirigi a ela, e feliz de ter chegado a tempo, a tomei nos braços cheio de orgulho. Olhei a minha volta: muitas bandeirinhas, barracas, jogos, quadrilhas, uma série de atrativos fantásticos. Então parei e me voltei novamente para minha filha, e falei:
– Filha, que festa linda! Que você gostou mais nesta festa? Ela depois de fazer uma varredura em tudo, voltou seu olhar para mim e me disse: que papai veio.
Naquele momento, aquela linda menina tinha me ensinado algumas coisas muito importantes. A primeira delas é que, por vezes, nós nos esquecemos do que é realmente importante. Além disso, que precisamos estar com os ouvidos alertas para a percepção de valor dos outros. E o valor pode estar em coisas simples, como a minha presença naquele evento. Ela também me deixou claro, que para ela, eu era e sou insubstituível, e que não poderia nunca delegar a minha função. Ela me mostrou ainda que é preciso ter equilíbrio, e saber balancear e conjugar vida profissional com outros lados da nossa vida, que pela rotina pesada, acabamos, sem querer, subtraindo.
É importante perceber que independentemente da origem ou idade, como nestes dois casos, ou ainda outros aspectos que podem nos gerar eventuais vieses, é que todos nós temos algo a ensinar e que sempre podemos aprender.
Basta estarmos com o olhar atento e aberto! Você concorda?