Como é o homem de amanhã?

Sou um homem cisgênero, branco, heterossexual, urbano. Nasci, portanto, com muitos privilégios de largada e vivi os primeiros trinta e tantos anos da minha vida achando que não tinha uma gota de racismo, de homofobia, de capacitismo e de machismo no meu sangue.
Foi só agora, de oito anos para cá, trabalhando com diversidade, equidade e inclusão, que parei para rever a minha história e que percebi quanto eu vivia e cultivava uma psiqué tóxica na minha forma de ver e interagir no mundo.
Meus deslizes provavelmente não se resumiam a pensamentos, mas condutas machistas. Hoje, defino-me como um feminista em construção. Ou então, um masculino em ressignificação.
A paternidade, que me veio junto com meu início no universo do empreendedorismo social e da diversidade. Este momento foi, sem sombra de dúvida, o maior dos presentes da minha vida. Além de viver a gratificante responsabilidade de cuidar de um bebê junto com minha parceira, eu também desenvolvi um olhar mais humanizado. Passei a canalizar meu foco no além-bolha e comecei minha jornada de reconstrução do meu sagrado masculino. Foi um despertar. Lembra daquela cena em que o protagonista Neo, no filme Matrix, acorda para o mundo real após anos e anos vivendo em estado letárgico dentro de uma incubadora? Pois então. Esta cena é muito emblemática e funciona perfeitamente para descrever esta minha nova fase.
Quando me refiro ao sagrado masculino, propositalmente quero fazer uma correlação direta com o já conhecido sagrado feminino. Entendo que ambos “sagrados” partem de uma mesma fonte de luz, de um mesmo princípio. O “sagrado”, seja feminino ou masculino, é a viagem do despertar pro mundo, do autoconhecimento e do processo contínuo da expansão da consciência. No final do dia, este “sagrado” é do ser humano porque é universal e é divino.
O que acontece há milênios é que mulheres e homens estão em etapas diferentes em seus despertares. A mulher, na minha opinião, seres muto mais evoluídos do que o homem, iniciou seu despertar há muito tempo atrás e vem aperfeiçoando o seu entendimento e a sua conexão com seu corpo, sua mente, suas emoções, suas relações com o outro… O mesmo não ocorreu com o homem. Longe disso. O homem “comprou” uma ideia primitiva de que deveria ser o provedor supremo e o salvador de tudo e de todos. Um deus grego imortal que subjuga os mais fracos e que encontrava solução para tudo (ou quase tudo) através das armas e do poder. Quanto mais o homem exercia seus papéis como guerreiro, decisor, provedor e protetor, mais se distanciava do seu sagrado, da sua luz. Eu nasci e cresci numa época que homem não chorava, não demonstrava suas emoções e tinha que ser melhor que todo o mundo. Aff!
O fato é que: à medida que nós homens nos deslocávamos guiados pelo ego, mais o nosso sagrado se atrofiava, se apagava. O sagrado que nasceu para ser feminino e masculino só encontrava guarida entre as mulheres. E assim avançamos por séculos. Neste processo, o sagrado masculino sucumbia para dar espaço pleno ao não-sagrado. Lado este erroneamente visto como o “lado masculino”.
Nos dias atuais, a partir de uma participação crescente dos homens nas rotinas domésticas, bem como na criação de suas crianças e nos acessos a várias ferramentas de autoconhecimento, a fagulha até então quase apagada começa a se reacender e aumentar sua luminosidade. É o empoderamento do sagrado masculino. Estamos vivendo este momento. Percebo uma nova geração de meninos e jovens que já cultuam o sagrado masculino de uma forma muito mais virtuosa.
Neste momento de regeneração do masculino, nós, homens, temos muito que nos balizar nas conquistas das mulheres. O sagrado feminino deve ser visto como farol por toda uma legião de homens que estão se descontruindo dia após dia para se recomporem a partir da sua luz e não das suas sombras. Eu estou fazendo minha caminhada e quero muito poder auxiliar outros homens a reencontrarem seu sagrado, que deveria sempre ter sido a nossa bússola; mas, que por conta de uma história pautada na formação de uma cultura patriarcal violenta, embotou.
Atributos como o cuidado, o afeto, a vulnerabilidade e a sensibilidade fazem parte do sagrado humano, não apenas da sua versão feminina. Os homens, por também serem humanos e compartilharem da mesma fonte universal de luz, sempre tiveram as condições no desenvolvimento destes atributos. A diferença é que caminhamos em direções opostas. Hoje, quando falamos em afeto ou carinho, por exemplo, ainda temos uma reação automática, pautada no nosso histórico, de correlacionarmos estas virtudes ao universo feminino única e simplesmente.
Buscar o sagrado masculino é fazer o caminho de volta para casa. Ainda há muitos indo. Eu já me vejo no retorno, querendo avisar dos perigos da permanência na outra rota. E neste processo pessoal de ressignificação, percebo que as inúmeras técnicas de autoconhecimento são meus melhores aliados nesta viagem rumo ao meu “sagrado”. E por que não dizer, “do meu feminino”? Acredito na dualidade das coisas. Assim como na filosofia chinesa, onde o yin-yang são duas energias opostas e ao mesmo tempo complementares, enxergo que a única forma de sermos homens mais plenos, retos e humanos é trabalhando simultaneamente com as nossas duas forças internas: o masculino e o feminino. E essa atenção ao feminino que vive em cada um de nós não faz o homem ser menos homem. Faz o homem mais humano.

Rodrigo Credidio é consultor em empatia e comunicação inclusiva, diretor da Goodbros e cocriador da Oficina de Empatia e parceiro da FourAll no Ecossistema da Diversidade. É formado em Comunicação Social (ESPM) e pós-graduado em Administração de Empresas (FGV), com experiência profissional de mais de 16 anos na área de comunicação de empresas e agências de publicidade. Há 8 anos se dedica a ajudar as empresas a construírem pontes e conexões com os públicos da diversidade a partir da comunicação inclusiva, principalmente com o mercado de pessoas com deficiência. Fez Empretec (Sebrae) e tem capacitação em Neurociências, Teatro de Improviso e Emprego Apoiado.